segunda-feira, 18 de agosto de 2008

A CENOURA

Contam que um mu atribuía à carroça arreada sua facilidade de alimentar-se com cenouras; esquecia do infortúnio ‑ de ter tão bela mãe seduzida por pai ignorante e ronço quando lhe punham os arreios ‑ até antevendo que o penoso sacrifício de puxar fardos era contrapartida de comer muitas cenouras. Algumas fontes afirmam que essa fábula nasceu de Apuleio, outros a apontam como da cultura semítica para figurar que a função e a razão de certos pensares parece inumana por ser irracional.
Mas bem, esse Mu acreditava numa entidade cenoura só porque o ladino que o aprestava costumava esfregar cenoura na arreata e depois na cilha; e ainda pendurava uma cenoura bem a sua frente, como alegre prenúncio de que depois da faina a comeria com outras tantas surgidas em feixes. Os antigos habituaram chamar a isso o sucesso muar, ou engodo místico de pai ronço com égua bonita, porque essa estranha construção ideológica seria a cenoura, a ideologia ou a religião da sabedoria asinina, ou dos rústicos e broncos. Assim denotavam que a ignorância e a sedução podiam gerar um híbrido capaz de ju(ra)mentar que seus anseios e pensamentos constituíam a própria realidade.
Levada tal fábula à psicanálise, Jules de Levère assim a decompôs: o ouro, o dinheiro, o empenho de agir sem princípios para obter fortuna e sucesso, a manha que assemelha astúcia e sabedoria pode ser apenas o mulo investido de seus arreios, garantindo a vida puxando os carros.
Nos tempos eleitorais, em que além de escolhas políticas alguns escolhem arreios para desfilar garbosamente, essa fábula se repõe, a mostrar a importância das cenouras no cotidiano dos mulos.

Nenhum comentário: