quinta-feira, 11 de setembro de 2008

PSYCHO BRASILIS

Do meu sobrinho Alex, que vive em Bruxelas.
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Caros;
ainda meio atordoado, volto de 1 mês no Brasil lamentando não conhecer
mais sobre psicologia, psiquiatria e psicanálise para expor melhor
impressões e sentimentos que acumulei neste mês (além da diária terapia
que preciso para discernir o que é hoje em dia para mim este senso de
"pátria mãe", ainda, de alguma forma, chamada Brasil, que felizmente ou
infelizmente ainda me prende freudianamente a este país).
A questão é que, desta vez, me assustei com o Brasil. Sei que muito do
que vi e sentí já existe há muito tempo mas tive a impressão que o
momento político, econômico e social que passa o Brasil atualmente,
entre outros com a queda do PT (última esperança!?) para um
"centro-direita" terceira via estilo Tony Blair, a possibilidade de ser
Arábia Saudita com o pré-sal, a corrupção sistemática do judiciário e a
reinvenção agro-business do superávit primário, isto e muito mais tem
ajudado a tornar sintomas mais extremos.
Além de Erich Fromm, não são poucos os autores na psicanálise a cogitar
a possibilidade que processos patológicos descritos por Freud possam
existir também, ou até serem provenientes, de grupos, classes ou
sociedades. Além do que, muitas das idéias de Marx, Lacan, Foucault,
Deleuze, Guatari, entre tantos outros, "jogam" com esta possibilidade.
Sei também que existem as críticas a esta visão pois seria necessário
dizer que uma sociedade ou um grupo de pessoas podem ser um organismo em
si com uma psiquê própria. Deixo a discussão para os que entendem mais
do que eu do assunto e me resumo apenas a dizer que a impressão que
tenho é que as classes de média a alta do Brasil estão entrando numa
fase avançada de neurose psicopata que se agrava relativamente à
ascensão econômica.
Se alguém se perguntou o que aconteceria numa sociedade onde o fetiche
pelo dinheiro criado pelo capitalismo se encontrasse com uma economia
crescente, com uma falta total de divisão de renda e com a possibilidade
real e fácil de, literalmente, comprar qualquer entidade um pouco
reguladora (como o poder judiciário, por exemplo, chegando até ao
Supremo Tribunal), se alguém se perguntou aonde esta espiral neurótica
pode dar, aconselho fazer uma visita ao Brasil!
Já chegando ao aeroporto do Rio, aprendí do "ascensorista" (sujeito que
aperta os botões num elevador para uma certa classe de indivíduos que,
me parece, são incapazes de fazê-lo) que ele trabalha em turnos de 5
horas dentro do elevador, sem ter o direito de pausa nem para ir ao
banheiro(!), para ganhar um salário um pouco mais que o "mínimo" de 450
Reais (180 Euros!). Aprendí também, logo depois, que, para se viver na
Zona Sul do Rio de Janeiro com 2 filhos numa boa escola, era necessário
ganhar à partir de 20.000 Reais (8.000 Euros) para ter uma vida descrita
como "razoável" pela classe a quem estes pertencem! Aprendí também, já
na capa de uma revista, que a Fundação Getúlio Vargas publicou as
últimas estatísticas que a "classe média" é hoje finalmente maioria no
Brasil. Por um lado, segundo esta fundação, é uma tendência que veio se
concretizando nos últimos 6 anos (por "coincidência" exatamente o tempo
do governo Lula!). Por outro lado, quem era "classe baixa" e conseguiu
se afundar em alguma dívida para comprar carro, ou geladeira, ou celular
foi diretamente catapultado para a "classe média", mesmo continuando com
o mesmo nível de vida de antes, ou, até pior por ter agora dívidas! Com
isso, nesta neura de ser catapultado para a classe acima, tanto os de
baixo como os de cima que querem sempre mais, tive a impressão que o
grande fetiche pelo dinheiro e pelo consumo estão ganhando a corrida
contra qualquer interesse outro que se possa ter na vida, qualquer
vontade de realidade não psicótica, qualquer vontade de uma real
sociedade...
Apesar disto sempre ter existido no Brasil, tenho a impressão que agora,
esta classe dos "20.000 prá cima", liberalisada para ganhar mais, mandar
mais e comprar mais, com gostinho de superávit na boca e já babando pelo
petróleo do pré-sal, atordoada com a "violência" urbana, a
desorganisação política e social e, tendo como desculpa a bagunça
nacional para deixar finalmente cair o "peso" moral ou ético de ter que
ter uma visão mais ampla do que seu próprio umbigo, entrou numa espiral
psicopática onde nada mais vale à pena e, já que nada mais vale à pena,
funciona ou pode funcionar um dia como sociedade ou país, o que vale na
vida passou a ser unicamente comprar, consumir, ter, brincar com sempre
novos brinquedos... um mundo à parte, excluso de qualquer realidade.
Estatisticamente, golfe foi o esporte que mais cresceu no Brasil nos
últimos anos!
Assim, como a classe dos "20.000 prá cima" é o exemplo para as outras
classes, o Brasil se tornou um país onde o dinheiro serve para o
indivíduo poder se extrair da sociedade. Extrair-se do transporte
público para o seu carro, extrair-se da escola pública para a
particular, extrair-se do sistema de saúde pública para o privado,
extrair-se até da própria cidade para os condomínios fechados e ainda
inúmeros outros "extrair-se" que não mais acabam. E o modelo segue para
as classes mais baixas, onde nos bairros mais "populares", há também os
condomínios fechados, escolas privadas, etc, para que, não importando
quanto você ganhe a mais do que a classe baixa, haja algo que você
possa pagar para também se extrair da sociedade que te rodeia. Depois,
quando políticos, que, por terem bons salários, também se extraem da
sociedade e não tem interesse em fazer com que os organismos públicos
funcionem, afinal de contas não há ninguém que interessa se usando
destes, chega o grupo dos extraídos que fazem a mídia nacional e ficam
reclamando por reclamar em jornais e tvs, sem nenhuma proposta ou
vontade de mudança, prá fazer bom circo, alegrar e aliviar moralmente o
país.
Enquanto isto, basta sentar-se 2 horinhas no aeroporto de São Paulo, na
sexta-feira à tarde ou no Domingo para ver a enormidade de pessoas com
raquetes de tênis ou tacos de golfe que passam pelo saguão. "Eles" foram
a Miami jogar enquanto "elas" foram a New York fazer compras!
As neuroses e o fetiche pelo dinheiro parece que se instalaram para
ficar, estão na mídia, nas conversas, nas livrarias (sempre cheias de
livros ou de auto-ajuda ou que ajudam a enriquecer!). O culto ao medo da
"sociedade lá fora", medo do outro e o culto à inveja e ao "EU posso
tudo sozinho" são a religião predominante. A psicopatia é óbvia pelo
individualismo exacerbado, eu, eu, eu e + eu = subir na vida, comprar,
brincar, mostrar. A psicose é voluntária para viver na exclusão social,
no mundo ilusório, no próprio fetiche, na própria alucinação, no
mundo-shopping.
Doutor, me parece que o Brasil vai mal!!!!
Porém, há esperança e está nos taxistas!
Hoje em dia, no Rio de Janeiro, grande parte dos taxistas são
diplomados, engenheiros, arquitetos, ex-microempresários, mestres,
doutores etc, que, dentro de estatísticas, já foram várias vezes durante
a vida catapultados para alguma outra classe, de baixo para cima, de
cima para baixo ou até em diagonal! Assim, cansados e desiludidos com as
possibilidades de ascensão de classe, com as possibilidades de se
extrair da sociedade, com as possibilidades de não ver e viver a
realidade eles cansaram também da psicose e da neurose. São as pessoas
mais lúcidas que encontrei. Obrigados a viver na realidade e vendo as
diferentes classes passar ou pelo banco de traz do seu taxi, ou pelo
pára-brisa da frente ou simplesmente ao lado da cerveja no boteco do fim
do dia de trabalho, eles são a classe média desiludida da ilusão
capitalista e, por consequência, uma possibilidade real para além das
classes baixas, infelizmente ainda surradas demais para se levantarem,
de construir uma realidade sadia.
Que bom seria se "taxismo" fosse contagioso!!!!
abraços;
alhures;
alex.

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